A herança da impunidade, por Affonso Ghizzo Neto*

Uma característica marcante e decisiva para a evolução da imoralidade e da corrupção disseminada nas estruturas de poder na administração pública brasileira decorre, sem dúvida, da aceitação da impunidade dos delitos e da prática corriqueira dos atos de corrupção. A impunidade, intimamente relacionada com o ordenamento jurídico adotado, advinha da omissão e da cumplicidade do poder dominante e das camadas dirigidas. As relações íntimas, os interesses comuns e as "razões de Estado" sempre foram circunstâncias determinantes para o aceite da transgressão da lei, convertendo-se em estímulo à reprodução contínua e crescente dos mais variados delitos.

A impunidade reinante é facilmente compreendida a partir das características do Estado patrimonial português. Com a aplicação de critérios subjetivos para consecução das metas da Coroa, sempre pautada por relações íntimas de amizade, parentesco e retribuições pessoais, a ordem jurídica - instável e flexível - foi marcada pelo casuísmo e pela arbitrariedade do soberano e seu séqüito.

Com a valorização suprema do patrimônio, dos bens e das riquezas materiais - não importando a forma e a maneira da busca pelo conforto ou pelo poder - uma ética perversa passou a ser consentida e cultuada, privilegiando-se a esperteza, a hipocrisia, a bajulação, a manipulação, o tráfico de influência, a fraude e a corrupção. Eventuais punições impostas visavam unicamente repreender e castigar a audácia e o atrevimento dos inimigos que se impunham contra a estrutura de domínio imposta. A escolha patrimonial não permitiu que uma ética voltada ao interesse público e coletivo germinasse no Brasil. Para os mais incrédulos da herança maldita recebida, vale aqui uma consideração: nenhuma sociedade humana altera seus costumes da noite para dia sem investir em educação.