Abracci promete organizar o movimento brasileiro de combate à corrupção
Instituto Ethos | 8 de junho de 2009
“Contribuir para a construção de uma cultura de não-corrupção e impunidade no Brasil, por meio do estímulo e da articulação de ações de instituições e iniciativas, com vistas a uma sociedade justa, democrática e solidária.”
Esta é a missão da Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci), grupo criado em uma assembléia do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2009. O cenário atual de corrupção no Brasil é uma realidade que precisa ser transformada com seriedade e urgência, para que se desfaça de seu caráter crônico, formado ao longo dos anos no imaginário da sociedade brasileira.
A Abracci foi criada a partir da necessidade de se buscar uma articulação maior entre as iniciativas de combate à corrupção e conta com o apoio da Transparência Internacional, que buscava reconstruir o seu braço no Brasil. Ou seja, há uma necessidade e várias iniciativas com sinergia e convergência. A articulação entre elas era o passo necessário para organizar o movimento.
Fazem parte do Comitê de Ligação da Abracci as seguintes organizações: Amigos Associados de Ribeirão Bonito (Amarribo), Artigo 19, Associação para o Desenvolvimento para Intercomunicação (ADI), Comissão Brasileira de Justiça e Paz, Fundação Avina, Instituto Ágora, Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), Instituto Ethos, Ministério Público Democrático (MPD), Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), Transparência Capaxiba e Voto Consciente.
Para apresentar a Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade, conversamos com Caio Magri, responsável por Políticas Públicas no Instituto Ethos, entidade que figura entre os organizadores da Abracci e que lançou o Pacto pela Integridade e Combate à Corrupção.
Instituto Ethos: Entendemos que a Abracci surgiu como uma proposta de organização do movimento de combate à corrupção. Como ela deve se estruturar?
Caio Magri: A decisão foi tomada a partir da percepção de que é necessário melhorar a articulação do combate à corrupção no Brasil. Para estruturar essa articulação, foi criada, além da Secretaria Executiva, sediada em São Paulo, uma série de braços que focam em políticas públicas, relações com o Congresso e discussões sobre um sistema nacional de integridade destinado a aperfeiçoar os mecanismos e as ferramentas, entre outros. O Estado brasileiro será alvo de diálogo permanente. A Abracci é uma organização da sociedade civil que terá de dialogar com o Estado, com o Congresso, com o Judiciário e com o Executivo para avançar no marco legal e melhorar o aspecto regulatório, com novos instrumentos de prevenção e combate à corrupção. Ao todo serão sete grupos de trabalho, que irão debater temas específicos: o Judiciário, o setor privado, a mídia, as questões ligadas ao financiamento de processos políticos, de acesso a recursos públicos, o Legislativo e o imaginário social.
IE: Como está o andamento da organização desde o seu lançamento?
CM: Estamos numa fase inicial do processo. Demos mais organicidade ao processo e criamos a Secretaria Executiva, que no próximo ano será coordenada pelo Instituto Ethos. Recentemente recebemos um apoio fundamental da Fundação Avina, que permitirá iniciar o processo de organização dos encontros.
IE: E quais são os grandes desafios?
CM: Primeiro, dar essa sustentação executiva e operacional. Em seguida, conseguir fazer com que mais entidades e lideranças da sociedade civil se integrem à Abracci. Para isso é necessário ter uma atuação visível e significativa. Neste ano, o grande desafio é realizar um seminário durante o qual possamos identificar as questões que constroem o imaginário e a cultura da corrupção no Brasil. É preciso migrar de um imaginário de querer levar vantagem em tudo, com objetivos pessoais e privados, para uma perspectiva coletiva, solidária e ética. Portanto, o grande desafio é conseguir estabelecer um diálogo e um debate na sociedade sobre as questões ligadas à corrupção.
IE: O que é preciso fazer para que o movimento de combate à corrupção ganhe popularidade?
CM: Identificar essas questões culturais pode abrir um caminho para campanhas que popularizem o movimento, indicando como sensibilizar o conjunto de cidadãos brasileiros para os temas do combate à corrupção de uma forma eficaz e eficiente. Além disso, existem outras ações importantes acontecendo que podem contribuir nessa articulação, como a iniciativa das cidades sustentáveis, por exemplo. O Movimento Nossa São Paulo e a Rede de Cidades Sustentáveis podem se apropriar de bandeiras do combate a corrupção e com isso construir ferramentas e ações localmente, de maneira similar ao que a Abracci pretende fazer em nível nacional.
IE: Como o Instituto Ethos vai contribuir para a Abracci?
CM: A estratégia do Instituto Ethos dentro do grupo é trazer o setor privado para essa mobilização em prol da cidadania.
IE: Nesse sentido, que práticas caracterizam uma empresa cidadã?
CM: A primeira delas é assumir práticas de integridade em sua gestão. A segunda é a articulação dessas práticas com decisões políticas e administrativas de combate à corrupção, como a proibição total do suborno, e a criação de acordos setoriais – empresas que participam dos principais setores de compras públicas devem ter práticas transparentes. Podemos citar como exemplo a iniciativa que levou a um acordo setorial na compra de tubos e conexões para saneamento básico e distribuição de água potável. Essa relação público-privado movimenta bilhões de reais anualmente nos municípios, Estados e governo federal. Se esse tipo de acordo setorial nas licitações públicas for feito também em outras áreas, como as de construção civil, transporte, logística e merenda escolar, entre outros, será um avanço importante e concreto para uma mudança de cultura.
IE: Como é possível estimular as empresas para que estabeleçam esse tipo de acordo? CM: A existência, por exemplo, de uma lista suja de empresas não-idôneas criada recentemente pela Controladoria Geral da União (CGU) é um marco importante. Estas precisam ser punidas também no seu relacionamento comercial privado. As empresas íntegras, que querem combater a corrupção, não podem se relacionar comercialmente com elas. Desse modo, inicia-se uma separação entre o joio e o trigo na perspectiva de quem deve ser punido pela Justiça e pelo mercado.
IE: Como tratar a questão da impunidade no Brasil?
CM: É preciso discutir leis mais severas, processos mais ágeis e o fim da indústria da protelação das decisões. A indústria dos habeas corpus em torno da corrupção é uma vergonha! Os réus de corrupção prorrogam e prolongam seus processos por quinze, vinte anos e, enquanto isso, vivem livres, inclusive para continuar cometendo crimes. Os julgados devem ser imediatamente responsabilizados e punidos. E isso é um desafio. É preciso haver uma reforma do Judiciário que retire os gargalos que estrangulam os processos de punição aos culpados e democratize o acesso de todos à Justiça. É importante que as pessoas tenham um direito de defesa amplo e irrestrito, mas só quem consegue fazer isso no Brasil hoje é quem tem poder econômico. A sociedade deve ser protegida pelas leis, e não o contrário. Quem está sendo protegido são os infratores. Apesar de a corrupção ser hoje um dos crimes mais graves e comuns cometidos no país, quem está preso no Brasil por corrupção? Quem de fato perdeu os seus bens, as suas empresas? Que dinheiro foi repatriado? Quase nada.
IE: Como a sociedade civil pode contribuir?
CM: A sociedade precisa se posicionar. Por isso é importante, por exemplo, o Movimento Ficha Limpa, que não permite que indivíduos com graves crimes cometidos, que já tenham sido julgados e condenados em primeira instância, possam ser candidatos a cargos públicos. Isso é um retrato da impunidade, pois o candidato é corrupto. Com os recursos da corrupção, ele compra uma campanha política que lhe garante a anistia, pois, uma vez eleito, ele só poderá ser julgado em instâncias diferenciadas. O Movimento Ficha Limpa depende do posicionamento da sociedade, pois deve conseguir um número de assinaturas para entrar no Congresso e, com isso gerar uma discussão importante sobre integridade.
A próxima reunião da Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade será no dia 16 de junho de 2009, durante a Conferência Internacional Ethos 2009.
Leia o Manifesto da Abracci, lançado em 29 de janeiro de 2009, no Fórum Social Mundial, em Belém (PA).
Monitoramento do Pacto
A plataforma de monitoramento do pacto acompanha e orienta o cumprimento do acordo assinado pelas organizações signatárias.