Campanha da CNBB ataca prática do "rouba, mas faz"

 FLÁVIO FERREIRA
da Folha de S.Paulo

A indiferença em relação à corrupção na política, expressada em enunciados como "rouba, mas faz" ou "tudo acaba em pizza", será alvo da Campanha da Fraternidade de 2009, segundo a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), instituição da Igreja Católica.

Realizada desde 1964 pela CNBB na Quaresma (período de 40 dias que antecede a Páscoa), a campanha deste ano terá como tema segurança pública, mas também abordará assuntos de ética na política.

As discussões nas reuniões e celebrações da campanha, que ocorrem em igrejas, escolas e casas, poderão impulsionar um movimento de coleta de assinaturas para criar uma lei que visa barrar candidaturas de políticos com ocorrências na Justiça.

A CNBB é uma das coordenadoras de um grupo de entidades que busca obter 1,5 milhão de assinaturas com o objetivo de apresentar um projeto de lei ao Congresso contra a participação dos "ficha-suja" nas eleições. Cerca de 700 mil pessoas já subscreverem a proposta de lei, segundo a CNBB.

De acordo com o texto-base da campanha, um dos objetivos é "denunciar a gravidade dos crimes contra a ética, a economia e as gestões públicas, assim como a injustiça presente nos institutos da prisão especial, do foro privilegiado e da imunidade parlamentar para os crimes comuns". Os crimes de corrupção e do "colarinho branco" não são violentos em si, mas geram outras formas de violência, diz o texto-base.

O secretário-geral da CNBB, dom Dimas Lara Barbosa (bispo auxiliar do Rio de Janeiro), afirma que "frases como "rouba, mas faz" são sintomas de uma mentalidade difusa no meio do povo e expressam um indiferentismo perigoso".

Para Barbosa, "tem muita gente que diz que é preciso levar vantagem sempre, mesmo que para isso seja preciso enganar. Isso pode servir de substrato cultural para justificar situações de impunidade".

O secretário-geral da CNBB diz que a Campanha da Fraternidade deste ano pode repetir o feito da edição de 1996, que serviu de ponto de partida para a obtenção de 1 milhão de assinaturas para a criação da lei nº 9.840, que tornou mais efetivas as punições em casos de compra de votos.

O texto do projeto de lei do movimento atualmente em curso veda a participação nas disputas eleitorais de pessoas punidas em primeira instância pelo Poder Judiciário.

De acordo com a legislação em vigor, só podem ser cassadas as candidaturas de políticos que forem condenados em definitivo pela Justiça, o que normalmente ocorre após a apresentação de recursos aos tribunais de segunda instância (tribunais de justiça estaduais ou tribunais regionais federais) e às cortes superiores do país (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal).

"É preciso tomar cuidado para não cometer injustiças. A primeira versão do nosso projeto de lei dizia que bastava uma denúncia. Aí realmente estava aberto demais, bastava que um promotor fosse desafeto político de alguém, fizesse uma denúncia e o sujeito se tornava inelegível", disse Barbosa.

Sem apoio da OAB

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), parceira da CNBB no movimento pela aprovação da lei contra a compra de votos, não aderiu à campanha contra os "ficha-suja".

O Conselho Federal da OAB decidiu apoiar um projeto de lei em curso na Câmara Federal que impede as candidaturas de pessoas condenadas por decisões judiciais, mas aquelas originadas em tribunais, que, em geral, julgam casos em segunda instância e processos de políticos com foro privilegiado.

"O Conselho entendeu que é melhor o projeto já em curso na Câmara, mas cada seccional estadual tem autonomia para decidir como se comportar em relação à campanha", disse Cezar Britto, presidente da entidade.

A seccional de São Paulo da entidade foi um das que se opuseram ao projeto da CNBB. Para Luiz Flávio Borges D"Urso, presidente da regional paulista da OAB, a criação de uma lei para tornar inelegíveis aquelas pessoas condenadas apenas em primeira instância seria inconstitucional.

"Atendendo ao princípio constitucional da presunção de inocência, só se pode impedir uma candidatura após um indivíduo ser condenado criminalmente de maneira definitiva. O julgamento sem esgotar todas as instâncias pode levar um inocente a suportar uma punição indevida", disse D" Urso.