Celso Pitta recebia dinheiro vivo de Naji Nahas
Site Terra | 8 de julho de 2008
Bob Fernandes*
Sob o comando do delegado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz, a Operação Satiagraha cumpriu hoje 24 mandados de prisão e 56 ordens de busca e apreensão no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e em Brasília. Foram presos na manhã desta terça-feira o banqueiro Daniel Dantas, dono do grupo Opportunity, sua mulher, Maria Alice, a irmã Verônica, o ex-cunhado e dirigente do grupo, Carlos Rodenburg; o também diretor Arthur de Carvalho, o presidente do grupo, Dório Ferman, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o especulador Naji Nahas são outros dos presos.
Terra Magazine informou, com exclusividade, no início da manhã desta terça, as primeiras prisões da Operação.
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» Inferno de Dantas - Um Raio X do Opportunity Fund
Dantas foi para uma cela do DPF também pela tentativa de corrupção do delegado Vitor Hugo. Peça central nas investigações, o hard disc (HD) com informações sobre o Opportunity-Fund, de atuação ilegal, na Ilhas Cayman. Leia mais aqui sobre a origem e desdobramentos do fundo.
Parenteses: Satiagraha, um têrmo sânscrito composto por duas palavras: "Satia", que é "Verdade", e "Agraha", que pode ser traduzida como "Busca". Momento Wikipédia para um princípio de Mahatma Gandhi, a Busca da Verdade.
A investigação do delegado Protógenes Queiróz chegou aos discos a partir do caso conhecido como "mensalão".
Não, não é o mensalão
Entenda-se, uma vez que, na praça, desinformados e desinformadas de vários matizes já excitam-se com "a volta do mensalão".
Não, não é uma investigação que esbarra em maracutaias do "mensalão". É uma devassa que chega a bem antes. E chegará a bem depois. Algo muito maior, muito mais profundo e poderoso do que o mensalão. Que viceja, brota gloriosamente em meio à privatização do sistema Telebras, embora pensado antes ainda. Algo que mira também o presente e o futuro.
Não, não é coisa de pés-rapados, adoradores de penosas, de pobres-diabos que recebem o "por fora" no guichê do Banco Rural - do Brasília Shopping. É fato inédito na história dos crimes financeiros. É coisa de uns 2 bilhões. De dólares. É coisa de quem montou, geriu, operou, opera o Sistema.
Sigamos.
O juiz do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, o que sapecou a "formação de quadrilha" no caso Mensalão, por solicitação do procurador geral, Antonio Fernando de Souza, passou o conjunto de informações aos procuradores regionais, para apuração, já que nenhum dos envolvidos tinha foro privilegiado. Na Segunda Vara Criminal Federal em São Paulo teve início o processo.
Investigava-se, a princípio, se pessoas ou empresas se beneficiaram do esquema de Marcos Valério. Dali, o processo desdobrou-se. Foi encaminhado também para a Sexta Vara e o imenso novelo começou a ser desvelado.
As cópias do HD do Opportunity foram encaminhadas para a verificação de crimes financeiros. O internauta atento há de se lembrar que o agora famoso HD surge nessa novela em 2004, no rastro da Operação Chacal, que investigou e indiciou Dantas, os seus e a multinacional Kroll por espionagem contra empresarios, autoridades e jornalistas - que, assegura Terra Magazine, têm sido sistematicamente espionados.
(Jornalistas, ou nem tanto, aliás, merecerão nos próximos dias um capítulo em destaque.)
A Polícia Federal percebeu a existência de indícios de ilegalidade contra o Sistema Financeiro, num rol de crimes que percorrem quase a integralidade da Lei 7.492/76, de Crime contra o Sistema Financeiro. O fato foi comunicado à Juiza da 2ª Vara Federal, que determinou a redistribuição para a Sexta Vara.
Quebra de sigilo
Uma outra representação requereu quebra do sigilo de comunicações de Internet e telefone com vigilância pessoal, eletrônica, fotografia, filmagem, geo-referenciamento, sempre em segredo de Justiça.
Em Julho de 2007 nova representação: a PF pediu mais uma quebra de sigilo, desta vez de dados e interceptação de ligações telefônicas que complementassem o que estava no HD apreendido em 2004.
No enclave de informações, a operação comandada por Protógenes Queiroz esbarrou no que chama de grande organização criminosa, que chegava ao requinte de desenhar as suas ações ilícitas de acordo com planos e metas planejadas no passado. O volume de informações do HD era de 120 Gb.
O delegado detectou uma grande organização criminosa a operar no País e esta ORCRIM chegava a programar o próprio futuro. Tabelas nesse sentido foram encontradas com os próprios arquitetos dessa grandiosa obra.
"Jabuticaba"... "Maluquinho"...
A investigação mapeia os laços entre aqueles que a PF chama de "capos", Daniel e Naji Nahas, e a conexão entre ambos; nasce daí a segunda organização chefiada por Nahas e ambas atuam em simbiose. Na prática de crimes financeiros e lavagem de dinheiro.
Apurou a equipe comandada pelo delegado que a miríade de empresas do grupo seriam em sua maioria de fachada e laranjas operadas por testas de ferro. De parte de Naji Nahas havia escalões abaixo um destinatário de dinheiro, quase sempre em espécie: o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta.
A propósito, em conversas gravadas com autorização judicial, Nahas e assemelhados referem-se a Pitta como "Jabuticaba" ou o "maluquinho". Vez por outra o doleiro Lúcio Bolonha Funaro alterna com Pitta o epíteto maluquinho. Certos diálogos estarão para todo o sempre nas crônicas do crime à brasileira.
Semanalmente, às vezes diariamente segundo a PF, o "Jabuticaba" - leia-se o ex-prefeito da maior cidade da América do Sul- pede dinheiro a Naji Nahas e outros menos votados: 40 mil num dia, 50 mil no outro, buscados no escritório de Nahas ou de um certo Carmine Henrique.
Em alguns dos diálogos, é de dar dó, provocar lágrimas, a penúria do pobre ex-prefeito. Há coisas que, como se diz, só existem no Brasil. Jabuticaba é uma delas. No caso, ao menos quanto ao estilo.
O INFERNO DE DANTAS - O AMIGO NAHAS
A relação entre Dantas, os Dantas e seu Opportunity, e Naji Nahas é sólida, profunda e não é recente.
No que diz respeito às empresas de telecomunicações, aos negócios envolvendo sócios e/ou desafetos de Daniel Dantas, e as tentativas de acordos ou pacificações, pode-se dizer que a relação começou em 2002.
Teve início, precisamente, no momento em que Naji Nahas ajudou Dantas a fechar o primeiro dos muitos acordos que seriam celebrados com a empresa Telecom Italia.
A Telecom Italia, como já vimos, é personagem central de muitas das histórias que envolvem Dantas e esta Operação Satiagraha.
Este primeiro acordo intermediado por Nahas permitiu a Daniel Dantas tirar a Telecom Italia do controle da operadora brasileira Brasil Telecom. Negócio insólito, em que os italianos transferiram para Dantas tudo o que tinham em troca de US$ 47 mil. Atenção: US$ 47 mil dólares, não milhões.
Daí pode-se perceber de que lado Nahas estava trabalhando. Apesar de ser o representante da Telecom Italia na negociação, quem ganhou foi Dantas.
Dantas espiona amigos
O segundo momento em que Dantas e Nahas podem ser vistos num pas-de-deux é em 2004, pouco depois da Operação Chacal, aquela que pegou Dantas em atos de espionagem juntamente com a Kroll.
Espionagem contra a Telecom Italia, entre outros, inclusive... Naji Nahas. Sim, Dantas espionava amigos e inimigos, segundo o relatório confidencial da Polícia Federal.
Amigos, amigos, negócios, e espionagem, à parte.
Nahas ajudou Dantas a construir o segundo acordo com a Telecom Italia, consumado em 28 de abril de 2005. Trata-se do acerto em que o Opportunity vendeu para a Telecom Italia a promessa de uma fusão entre Brasil Telecom e a operadora de celular TIM.
Dantas não podia vender a fusão. A essa altura já estava demitido pelos fundos de pensão e pelo Citibank, e havia perdido o controle da Brasil Telecom. Ou seja, o contrato firmado com a Telecom Italia vendia o que não podia entregar.
Mesmo assim, Nahas conseguiu convencer os italianos de que Dantas era um grande parceiro de negócios. Pela segunda vez.
De onde vinha o poder de Naji Nahas de encantar os italianos e convencê-los com tanta facilidade?
Resposta: Nahas é amigo pessoal de Marco Trochetti Provera. Ex-presidente do grupo Pirelli, ex-presidente da Telecom Italia, que era um dos homens de negócio mais conhecidos da Italia.
Dantas, Najas e Provera. Um jogo em que nenhum deles perdia.
45 milhões de razões
O que acontecia é que Nahas era um intermediário na relação entre Dantas e Provera. Relação de negócios, em que o que conta são os resultados financeiros de cada um.
Daniel Dantas, Provera e Naji Nahas estiveram na Itália algumas vezes.Um desses encontros foi marcado para o final de 2006 no luxuoso Hotel Villa Condulmer, um antigo palácio de 1743, hoje transformado em resort para milionários.
O que discutiriam? É um dos grandes mistérios dessa história. No final de 2006, o segundo acordo firmado com Dantas com os italianos já havia naufragado.
O que começava a vir da Itália, naquele momento, eram as informações sobre o inquérito do Ministério Público italiano referentes aos atos de espionagem supostamente praticados pela Telecom Italia. Como já vimos, esta investigação italiana é a base da tentativa de recontar a história da Operação Chacal.
O que se sabe é que Dantas, Nahas, e mais velhos companheiros, tinham ainda outras 45 milhões de razões para ir à Itália, e 45 milhões de razões que vinham da Itália para o Brasil.
Nessa história de príncipes do capitalismo à brasileira, italiana, não poderia deixar de surgir alguém ligado à verdadeira realeza. No caso, à família real da Arábia Saudita. Pelo menos é assim que se anuncia Wafic Said.
A Revista IstoÉ Dinheiro informou que Nahas e Said estavam vendendo um terreno na Avenida Brigadeiro Faria Lima, área nobre de São Paulo. Terreno avaliado em R$ 500 milhões.
Leonardo Attuch, autor da reportagem, sempre foi preciso ao relatar os vários desfechos dos negócios entre Dantas e Nahas. Detalhou encontros, datas, vinhos tomados, partidas de tênis assistidas. Attuch, que em várias ocasiões, acolheu Nahas para entrevistas e reportagens em que ele, Nahas, despontava como vítima da imprensa.
O que não se contou é que Said e Dantas também têm negócios.
Montaram um fundo de investimentos no setor imobiliário, sempre com a ajuda de Naji Nahas.
Em algum momento, em novembro de 2006, outros dois personagens desembarcam nessa rocambolesca história, onde já estavam no proscênio Dantas, Nahas e, outra vez, Provera. Desembarques de peso: Carlos Slim, um dos homens mais ricos do mundo, e o maior bilionário da América Latina, e ainda o ex-ministro José Dirceu.
Nahas, Provera, Dantas, Dirceu e Slim trabalharam para que a Claro (da América Móvil, de Slim) comprasse a operadora de telefonia celular TIM (da Telecom Itália). Tanto foi noticiado desde 2006.
Como se sabe, e não se sabe, apesar de intensas articulações e confabulações, esse negócio não saiu, ainda que na mídia o negócio tenha sido dado por concluído em várias ocasiões. Coisas de compras e vendas.
* Colaboraram: Claudio Leal, Daniel Milazzo, Raphael Prado e Equipe Terra Magazine.
Monitoramento do Pacto
A plataforma de monitoramento do pacto acompanha e orienta o cumprimento do acordo assinado pelas organizações signatárias.