Como prevenir a corrupção no setor empresarial

Com a regulamentação da Lei da Empresa Limpa, em 18 de março, as empresas terão pela frente o desafio de prevenir a corrupção internamente.

Por Jorge Abrahão*

No último dia 18, a presidente Dilma Rousseff lançou uma série de medidas para prevenir e combater a corrupção no país. Do ponto de vista das empresas, essas medidas indicam um cenário mais amigável para aqueles gestores que buscam internalizar nas estratégias de negócios a transparência e a integridade.

O governo federal comprometeu-se a levar ao Congresso projetos de lei ou de emenda constitucional para:

  • Tornar crime o chamado “caixa dois” (arrecadação não declarada de dinheiro, em campanhas), com penas de prisão variando de 3 a 8 anos de prisão;
  • Estender a “ficha limpa” a funcionários públicos federais com cargos comissionados;
  • Criminalizar o patrimônio injustificado e o enriquecimento de agentes públicos;
  • Acelerar a tramitação de um projeto de lei que prevê a alienação antecipada de bens apreendidos após atos de corrupção, para evitar que sejam usados irregularmente por agentes públicos. Estes bens alienados seriam vendidos e o dinheiro ficaria depositado em juízo.

Na mesma cerimônia, a presidente Dilma assinou o decreto que regulamenta a Lei da Empresa Limpa (Lei nº 12.846/2013), que está em vigor desde janeiro de 2014 e se destina a punir empresas envolvidas em ilícitos contra a administração pública, com aplicação de multas que podem chegar até a 20% do seu faturamento.

O Instituto Ethos não só mobilizou as empresas para a aprovação da lei como também realizou encontros entre empresas, escritórios da advocacia e a Controladoria-Geral da União (CGU) com o propósito de sugerir conteúdos para o decreto que a regulamenta. No início deste ano, a organização enviou um ofício à Presidência da República, solicitando rapidez na assinatura do referido decreto.

Prevenção da corrupção no setor privado

Agora, com a lei regulamentada, as empresas terão pela frente o desafio de prevenir a corrupção internamente. Por isso, é importante entender os pontos principais que foram regulados:

  • Detalhamento do processo de apuração de responsabilidade das empresas. Essa medida confere à CGU competência exclusiva para instaurar, apurar e julgar atos lesivos à administração pública estrangeira, bem como para avocar processos para exame de regularidade ou correção de andamento.
  • Reconhecimento dos avanços nos processos de compliance e de integridade nas empresas como atenuantes em casos de ilícitos. O decreto estabeleceu critérios para se estruturarem sistemas de compliance, códigos de conduta, treinamentos, mapeamento de áreas de risco, canal de denúncias e outros mecanismos de integridade, de acordo com o risco da atividade de cada pessoa jurídica. A PJ, por sua vez, deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do programa.
  • Valor da multa. Não pode ser menor do que a vantagem auferida pelo ilícito, dentro da proporcionalidade estabelecida de 0,1% a 20% do faturamento ou de R$ 6.000 a R$ 60 milhões.
  • Parâmetros para acordos de leniência.

-      O acordo não evita o ressarcimento aos cofres públicos dos danos causados pela empresa envolvida;

-      Tal empresa precisa demonstrar compromisso real com políticas internas efetivas de integridade e de compliance;

-      Os executivos e funcionários envolvidos devem ser demitidos;

-      Entre as condições adicionais está a proibição de financiar campanhas eleitorais pelo tempo que durar o acordo.

Por que as empresas buscarão acordos de leniência?

O primeiro motivo é para que não sejam declaradas inidôneas, pois, se isso ocorrer, elas perdem a possibilidade de receber empréstimos de bancos públicos e mesmo de vender para qualquer órgão público, estatal ou autarquia. Outra razão é para escapar de punições mais severas caso sejam declaradas culpadas ao final de um processo contra a administração pública.

Entre os fatores agravantes, de acordo com a Lei da Empresa Limpa, estão a reincidência em casos de ilícitos contra a administração pública e a participação da alta direção no ilícito.

Desafios para o setor privado

A Lei da Empresa Limpa vai desafiar o setor privado no Brasil a adotar iniciativas de prevenção e combate à corrupção que não são comuns em nosso mercado, mas certamente vão contribuir para um ambiente de negócios mais íntegro e transparente.

Internamente, o desafio será construir sistemas de compliance consistentes e confiáveis, com códigos de conduta que sejam disseminados do topo ao chão, na cadeia de valor e entre as partes interessadas, com canal de denúncias funcionando e com punições que garantam a “sensação de justiça” na empresa.

Externamente, é possível evoluir-se para uma concorrência saudável, por meio de pactos setoriais, nos quais empresas de um mesmo segmento, em vez de combinarem “preço”, ajustam regras de competição mais equânime para todo o setor. O Instituto Ethos e a Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Implantes (Abraidi) vêm articulando um pacto assim com o setor de tecnologia da saúde, de órteses e próteses.

No plano institucional, tais medidas ajudam a avançar na separação dos interesses público e privado. Em nosso país, cujo Estado ainda é bastante patrimonialista e comandado por poucos grupos, quanto mais o interesse particular dissociar-se da “coisa pública”, mais reforçaremos a democracia.

Nesse sentido, vale refletir: Essas medidas são suficientes para, de fato, o Estado brasileiro ser “de todos”? Ainda não, embora representem mais um avanço nessa direção.

Precisamos ainda de mais alguns passos, como, por exemplo, aprovar e regulamentar a Lei do Lobby (PL 1202 / 2007).

Esse projeto de lei foi apresentado à Câmara há mais de sete anos e está parado lá desde então. Ele disciplina a atividade de lobby e a atuação dos grupos de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal. Também estabelece que a CGU deverá ser a entidade que receberá os registros e dará as credenciais para lobistas que vão atuar nas instâncias do Poder Executivo. E estipula quem não pode ser lobista: pessoas que tenham, nos doze meses anteriores ao requerimento, exercido cargo público efetivo ou em comissão em cujo exercício tenham participado, direta ou indiretamente, da produção da proposição legislativa objeto de sua intervenção profissional. Essa lei é bem parecida com aquelas dos países que já regulamentaram essa atividade, como Estados Unidos, Inglaterra, França e México.

O ponto em comum entre todas as legislações – inclusive a proposta brasileira – é que elas reconhecem a pressão dos grupos sociais sobre parlamentares e membros do Executivo como parte importante do processo democrático. É pela pressão, entendida como esclarecimento, informação e representação de grupos que defendem interesses, que a sociedade avança em seus direitos e em sua participação. Outro ponto em comum é que essas regulações visam coibir as pressões veladas, “por baixo do pano”, que podem levar à aprovação de leis ou de projetos que não se coadunam com a vontade da maioria da sociedade.

Outra questão importante é o financiamento de campanha eleitoral (para não mencionar a reforma política). É preciso pôr um limite na dinheirama que se gasta a cada novo processo eleitoral. Em 2014, por exemplo, as campanhas eleitorais de todos os partidos custaram mais de R$ 5 bilhões, dos quais 5% vieram do Fundo Partidário e 95% de recursos privados; destes, 76% foram doações de empresas, principalmente bancos e companhias de construção civil e do setor de alimentos.

Jorge Abrahão é diretor-presidente do Instituto Ethos. 

20/3/2015