Congresso vê usurpação de poder e reage com lei eleitoral
Valor Econômico - SP | 20 de julho de 2009
A aprovação da minirreforma eleitoral pela Câmara dos Deputados e a votação da "janela" que permitirá trocas de partido, no segundo semestre, são medidas de contra-ataque do Congresso Nacional à atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de mais rigor sobre a classe política, e uma antecipação para que os eleitos tenham menos problemas a partir da campanha eleitoral de 2010.
O Congresso quer evitar que, após eleitos, políticos fiquem sob a ameaça de perder mandato. O Parlamento também quer limitar o poder de o TSE editar resoluções sobre regras eleitorais às vésperas do pleito. A avaliação de parlamentares é que o TSE avançou na competência do Congresso de legislar. Com a proposta em tramitação no Congresso, os deputados esperam evitar decisões da Justiça Eleitoral no vácuo deixado pelos parlamentares.
A minirreforma eleitoral atacou vários pontos da jurisprudência recente do TSE. Nas eleições de 2006, o tribunal foi bastante rigoroso ao contestar doações para campanhas feitas por concessionárias de serviço público. Até mesmo a campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi aprovada com ressalvas por causa de doação de R$ 10 mil de uma concessionária do setor de portos. Para evitar problemas como esse, o texto aprovado na Câmara dos Deputados permite que essas doações sejam feitas por intermédio de uma triangulação: o envio do dinheiro primeiro ao partido e, depois, para o candidato. É o que o TSE chama de "doação oculta" e tenta coibir.
O texto aprovado pela Câmara também libera o político da obrigatoriedade de ter as contas aprovadas para que possa se candidatar. Um dos focos principais do TSE nos últimos anos foi ampliar o rigor na análise de contas de campanha. Neste sentido, o tribunal decidiu passar um "pente fino" nas contas e proibir que o candidato que não obtivesse a aprovação conseguisse a certidão de quitação eleitoral. Esse documento é condição para o registro de candidato. Pela minirreforma, não será mais.
A abertura de uma "janela" também é considerada grave pelo tribunal e revela o conflito entre a Corte Eleitoral e o Congresso Nacional. A "janela" será aberta sete meses antes das eleições para que os políticos possam trocar de partido. Pela Proposta de Emenda Constitucional em tramitação, serão 30 dias para as trocas. Trata-se de uma maneira de contornar as decisões do TSE que, em 2007, proibiu a troca de partidos e começou a julgar pedidos de cassação com base na transgressão da regra.
No Congresso, parlamentares reclamam que essa atuação do TSE teve início sem que eles tivessem aprovado qualquer lei coibindo o troca-troca. De fato, o tribunal desenvolveu interpretação autônoma, a partir da Constituição, para concluir que os mandatos são dos partidos pelos quais os políticos se elegeram e esses últimos só podem trocar de sigla em situações excepcionais, como a comprovação de perseguição política ou de que o partido descumpriu programa ideológico.
Em 2008, a Câmara se recusou a cumprir decisão do TSE que cassou o mandato do deputado Walter Brito Neto (PB), que trocou o DEM pelo PRB. Ele foi o primeiro deputado federal cassado por infidelidade e a presidência da Câmara decidiu esperar o julgamento do último recurso para cumprir a decisão da Corte Eleitoral, o que indignou a cúpula do Judiciário.
O movimento atual do Congresso lembra o contra-ataque de 1994, após a cassação do então presidente do Senado, Humberto Lucena. Eleito pelo PMDB da Paraíba, Lucena utilizou a gráfica do Senado para imprimir propaganda eleitoral e foi cassado pelo TSE. Após o julgamento, os senadores se mobilizaram para aprovar, em regime de urgência, lei de anistia, de autoria de Jacques Silva, que ficaria conhecida como "Lei Lucena". O texto, sancionado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, concedeu anistia aos candidatos às eleições de 1994, "processados ou condenados ou com registro cassado pela prática de ilícitos relacionados com a utilização dos serviços gráficos do Senado".
A cassação dos governadores só foi possível a partir da lei 9.840, de 1999, que prevê a perda de mandato se for comprovada a compra de votos durante campanha eleitoral. "Essa lei foi revolucionária e permitiu, de fato, o início das cassações a partir de 2000", afirmou o juiz Marlon Reis, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
A lei, no entanto, não surgiu por iniciativa parlamentar. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) coletou 1milhão de assinaturas para apresentá-la. Até hoje, é a única lei de iniciativa popular. A partir dela, o então governador do Piauí e hoje senador Mão Santa (PMDB) perdeu o mandato em 2001, assim como Flamarion Portela, em Roraima. Depois foram cassados Cássio Cunha Lima (PSDB), na Paraíba, Jackson Lago (PDT), no Maranhão, e Marcelo Miranda (PMDB), em Tocantins. Miranda, no entanto, mantém-se no cargo até o julgamento de recurso pelo TSE.
Monitoramento do Pacto
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