Em 20 anos, 8 mil condenações

Carolina Brígido
BRASÍLIA

No dia 5 de outubro deste ano, quando eleitores de 5.563 municípios brasileiros irão às urnas para escolher seus prefeitos e vereadores, a Constituição Federal completará seu 20oaniversário.

Promulgada em 1988, a Carta foi responsável por alçar os municípios brasileiros a uma condição inédita de autonomia administrativa.

Com mais poderes, os prefeitos se tornaram alvo certo de investigações. Nas últimas duas décadas, os casos de corrupção nas cidades cresceram em proporções alarmantes.

Apenas no Tribunal de Contas da União (TCU), 8.314 prefeitos, vice-prefeitos e ex-ocupantes do cargo foram condenados. A maioria deles por desvio de dinheiro público.

Levantamento feito por técnicos do TCU, a pedido do GLOBO, mostra que nenhuma condenação foi registrada naquele 1988. Em 2007, foram 735. Até a última quarta-feira, já somavam 450 as sentenças contra prefeitos dadas este ano pelo tribunal. Em 2006, foi registrado o maior número de condenações de prefeitos: 881 casos. As punições impostas a prefeitos nas últimas duas décadas representam 38,4% das determinadas a gestores públicos, que somam 21.629. Das 8.314 condenações contra administradores das cidades, 694 foram anuladas, ao longo dos anos, no Judiciário e no próprio TCU.

Para um dos integrantes do tribunal, ministro Augusto Nardes, não foi a corrupção que aumentou no país.

Houve, sim, aperfeiçoamento das formas de fiscalização.

Por isso, o aumento de condenações.

— Os mecanismos de fiscalização aumentaram consideravelmente.

Em 1989, o tribunal não tinha a estrutura que tem hoje. A corrupção sempre existiu, isso não é privilégio do Brasil em relação a outros países. O que mudou foi a forma de fiscalizar — diz Nardes.

Mais de 1.500 novas cidades

Mas a vida dos municípios nos últimos 20 anos não se resume a condenações. No mesmo período, surgiram no Brasil 1.504 novas cidades.

Em 1988, eram 4.060.

Hoje, são 5.564. Na Constituição, uma série de dispositivos deu aos prefeitos e aos vereadores mais poderes, diminuindo a dependência histórica em relação aos estados e à União. Os municípios passaram a ser considerados um dos entes da federação, com a mesma importância dos estados e da União. É a única Constituição do mundo com essa característica.

A partir de então, os municípios engordaram os cofres, com a possibilidade de receber mais recursos da União e de instituir impostos próprios. Também passaram a aprovar leis locais.

E ganharam o direito de prestar serviços públicos básicos, como o de transporte coletivo. O poder decisório conferido à administração municipal deu aos prefeitos mais poder político.

Por conseqüência, depois de 1988, o cargo passou a ser mais cobiçado, e as campanhas municipais ficaram mais disputadas.

Neste ano, só não haverá eleição para prefeito em Brasília, administrada pelo governo do Distrito Federal.

Nos outros municípios, o emprego de prefeito é cobiçado: 15.138 candidatos já pediram registro à Justiça Eleitoral. Em média, são 2,7 candidatos por vaga. Na disdisputa para vereador, a briga é ainda mais acirrada.

São 342.427 candidatos para 52.137 cadeiras.

Em média, 6,5 por vaga.

Para o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA), que já foi juiz, as eleições para prefeito ganharam mais visibilidade depois da Constituição de 1988. Ele mesmo é candidato à prefeitura de São Luiz.

— A m u n i c i p a l i z a ç ã o dos serviços atraiu muito as atenções para as eleições municipais — afirma o parlamentar.

Avaliação semelhante tem Carlos Velloso, ministro aposentado do Tribun a l S u p e r i o r E l e i t o r a l (TSE) e do Supremo Tribunal Federal (STF).

— A Constituição conferiu mais significado aos municípios.

Isso quer dizer que, em termos de eleição, talvez se tornem mais disputados os cargos — diz Velloso.

O advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, concorda que a Constituição resultou em maior valorização dos votos para prefeito. Para ele, as mudanças realizadas a partir de 1988 auxiliaram inclusive na administração federal. Vários programas de governo, como o Bolsa Família e a Farmácia Popular, funcionam porque as prefeituras têm autonomia e condições de cadastrar as pessoas nos programas e fiscalizar a execução das ações.

— Sem essa idéia de uma federação participativa e solidária, você não teria como ter o Bolsa Família, porque quem executa, quem cadastra as famílias, são os municípios. A Farmácia Popular, que também é uma política pública federal, é feita em solidariedade com os municípios. A Constituição de 1988 melhorou muito a dimensão dos municípios. Hoje, eles são extremamente mais importantes no conceito da federação do que antes de 1988 — diz Toffoli.

O advogado Fernando Neves, outro ex-ministro do TSE, acredita que, com a nova Constituição, a Justiça foi fortalecida e as chances de fraudes eleitorais diminuíram: — A importância que a Constituição deu ao Judiciário e, dentro dele, à Justiça Eleitoral, trouxe a possibilidade de um maior controle da Justiça sobre as eleições. O resultado é que se passou a ter eleições mais limpas, mais controladas, os abusos estão sendo mais coibidos.