Especialização contra impunidade

GISELLE SOUZA
DO JORNAL DO COMMERCIO, COM AGÊNCIAS

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, propôs ontem a criação de câmaras especializadas para julgar os processos contra quem tem direito a foro privilegiado. A medida foi defendida na Câmara dos Deputados, durante a primeira audiência pública da Comissão Especial criada para examinar a Proposta da Emenda Constitucional nº 130/2007. A proposição objetiva justamente a extinção da prerrogativa. Participaram da sessão integrantes do Judiciário e do Ministério Público. A conclusão a que os especialistas chegaram é a de que os tribunais superiores não têm estrutura para analisar e instruir esse tipo ação.

Na audiência, Mozart Valadares afirmou que o foro privilegiado é um dos principais fatores da impunidade no País. De acordo com ele, entre 1998 e 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu 130 ações desse tipo. Treze delas caíram na prescrição. Apenas seis foram concluídas. Nenhuma, porém, resultou em condenação. No Superior Tribunal de Justiça (STJ) os dados também não são animadores. De acordo com o magistrado, a corte recebeu, no mesmo período, 483 processos contra detentores do foro privilegiado. Delas, 71 acabaram prescritas. Somente 16 chegaram a julgamento final, culminando em cinco condenações e 11 absolvições.

Mozart Valadares explicou que a principal proposta da AMB é a de se extinguir o foro privilegiado. O problema é que a medida não encontra consenso da classe. Dados de um estudo da entidade, produzido em setembro do ano passado, mostram que a magistratura está dividida. Em relação à manutenção do foro por prerrogativa de função para senadores, por exemplo, 42% dos entrevistados são a favor e 58% contra. Para ministro de Estado, a proporção é de 54% e 46%, respectivamente.

Uma posição se sobrepõe a outra apenas em relação ao foro privilegiado para o presidente da República e para deputados. Para presidente, 78% dos magistrados entrevistados se mostram favoráveis à manutenção. E para deputados federais e estaduais, 71% e 66% defenderam a extinção do instituto, respectivamente. A falta de consenso, no entanto, volta a se tornar evidente quando envolve os membros do Poder Judiciário. Nesse caso, 56% dos juízes defendem o fim da prerrogativa e 44% a permanência.

Na avaliação de Mozart Valadares, os dados mostram que o tema traz 'certo desconforto' à magistratura. 'É uma polêmica. Digamos, por exemplo, que um desembargador cometa um delito em Campos, no Estado do Rio. Sem o foro privilegiado, ele seria julgado por um juiz daquela cidade. É complicado, porque esse mesmo desembargador é quem deverá votar na promoção desse magistrado, assim como na remoção. Haveria aí uma espécie de inversão. E isso também acontece com outras autoridades', afirmou o presidente da AMB.

De acordo com Mozart Valadares, se o foro não for extinto, deverá pelo menos passar por aperfeiçoamentos. Nesse sentido, a AMB elaborou algumas propostas para evitar que as ações contra detentores dessa prerrogativa acabem caindo em prescrição. A criação de câmaras especializadas - para julgar crimes de corrupção, contra o patrimônio público e por quem tem direito ao foro privilegiado - é uma delas.

Segundo o magistrado, a medida foi implementada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 1994, e mais recentemente em São Paulo. Levantamento acerca da produção da instância gaúcha mostrou que, um ano após sua instalação, os processos julgados resultaram em 30 condenações e 26 absolvições. 'Esse é um modelo que poderia ser implementado', afirmou Mozart Valadares, apresentando ainda outras propostas.

Entre elas, a aprovação de projeto de lei que obrigue os tribunais a darem prioridade aos processos contra quem tem direito ao instituto. Com esse objetivo, o então presidente da AMB, Rodrigo Collaço, chegou a encaminhar ao Conselho Nacional de Justiça pedido para que o órgão recomendasse essa medida às cortes.

Outra proposta ainda é a de se promover mudança na legislação para permitir que o STJ delegasse aos Tribunais Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça do País a instrução do processo. Após a conclusão da instrução, eles deveriam encaminhar os autos para os tribunais superiores, que realizariam o julgamento.

 

MUDANÇAS. Presente à sessão, o presidente da Associação Nacional do Ministério Público (Conamp), José Carlos Cosenzo, também defendeu que a instrução desses processos fosse realizada pelos tribunais. Segundo afirmou, hoje, nem o Supremo Tribunal Federal, nem os tribunais superiores têm condição para realizar investigações. Ele citou o exemplo de Parintins, na Amazônia. O prefeito está sendo julgado pelo Tribunal de Justiça que fica na capital, Manaus - cidade localizada a 1.800 quilômetros da outra. Na avaliação dele, a corte encontra dificuldades para coletar as provas.

A PEC nº 130/2007 propõe que os Tribunais de Justiça julguem os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. O relator da matéria, deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), afirmou que pretende ouvir mais dois integrantes da magistratura e um professor da área de sociologia para concluir seu parecer.