Fatores a considerar antes de celebrar acordos de leniência
Instituto Ethos | 16 de julho de 2014
A decisão sobre celebrar ou não um acordo de leniência deverá levar em consideração diversas questões que as empresas do país devem observar.
Por Carlos Ayres*
Uma das características mais inovadoras da nova Lei Anticorrupção brasileira é a possibilidade de as autoridades celebrarem acordos de leniência com as empresas. Este é um novo conceito na área de combate à corrupção no Brasil. As empresas que firmarem acordos de leniência com as autoridades públicas e satisfizerem os seus requisitos terão suas multas reduzidas em até dois terços e certas sanções judiciais e administrativas serão excluídas.
A decisão sobre celebrar ou não um acordo de leniência deverá levar em consideração diversos fatores estratégicos. Abaixo estão algumas questões (não exaustivas) que as empresas que operam no Brasil devem considerar.
Ausência de obrigação de reportar violações. É importante lembrar que as empresas não têm obrigação de comunicar uma violação real ou potencial da nova Lei Anticorrupção às autoridades. Assim, algumas empresas podem optar por não denunciar as ilegalidades que encontram. Mas, embora a divulgação não seja obrigatória, pode ser estrategicamente benéfica em certas situações.
Necessidade de admitir participação no ato ilícito. Sob a nova Lei Anticorrupção, para se qualificar para a leniência, a empresa deve admitir a sua participação no delito e cooperar plenamente com a investigação. Nos casos em que autoridades estrangeiras também tenham jurisdição sobre a ilegalidade, a obrigação de admiti-la pode representar problemas. Outras autoridades podem querer investigar o assunto. Além disso, uma admissão no Brasil pode levar a processos judiciais derivados em outros países. Devido a isso, as empresas multinacionais que considerarem o reporte para autoridades devem se certificar de que eles têm uma equipe multijurisdicional de advogados para formular uma estratégia que leva em conta possíveis processos judiciais em diferentes países.
Possível sobreposição de leis. Antes de decidir reportar para as autoridades brasileiras, as empresas devem analisar cuidadosamente os fatos a fim de verificar quais leis se aplicam. A nova Lei Anticorrupção potencialmente conflita com outras leis (que não autorizarem a leniência). Portanto, uma empresa poderia, em princípio, celebrar um acordo de leniência no âmbito da nova Lei Anticorrupção e, posteriormente, enfrentar medidas legais com base em outras leis. A situação fica mais complicada ao considerar que os limites da nova Lei Anticorrupção ainda não estão bem definidos.
Envolvimento de todas as autoridades com jurisdição sobre o assunto. A Lei Anticorrupção prevê sanções administrativas (aplicadas diretamente pela administração pública) e sanções judiciais (aplicadas por um juiz). As empresas que firmarem acordos de leniência com as autoridades públicas e satisfizerem as suas condições terão suas multas reduzidas em até dois terços e poderão ser isentas da publicação da decisão condenatória. Mas certas sanções judiciais não serão excluídas. As empresas podem ainda estar sujeitas a perda de bens, suspensão parcial e dissolução compulsória da pessoa jurídica. Enquanto se espera que a suspensão parcial e a dissolução compulsória sejam aplicadas em casos mais graves – talvez aqueles em que a pessoa jurídica foi criada para fins ilegais –, a fim de evitar se sujeitarem a perda de bens, as empresas devem considerar celebrarem acordos com todas as autoridades com jurisdição sobre o assunto.
Em eventos públicos recentes, representantes da Controladoria-Geral da União (CGU), o órgão competente para investigar e punir atos lesivos previstos na lei que sejam cometidos contra as administrações públicas estrangeiras (a CGU também tem competência concorrente para investigar a corrupção local, no Poder Executivo federal), indicaram que eles pretendem envolver em seus acordos de leniência o Ministério Público Federal e outras autoridades competentes, quando for o caso, como o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que é a autoridade antitruste brasileira, e o Tribunal de Contas da União (TCU). Eles esperam proporcionar segurança jurídica às empresas e incentivá-las a reportar irregularidades. Ainda é preciso ver como isso vai funcionar e que abordagem será tomada nos níveis estadual e municipal.
Verificação das autoridades com competência. A nova Lei Anticorrupção brasileira tem um número extraordinário de autoridades com competência para a aplicá-la (ver aqui). Nos casos em que o delito alcança várias jurisdições, as empresas devem considerar o envolvimento no acordo de todas as autoridades competentes, para evitar uma situação em que uma autoridade não honre a leniência de outra.
Cada caso apresentará seus próprios conjuntos de fatos e circunstâncias e vários outros fatores devem ser levados em consideração para ponderar as vantagens e desvantagens de firmar acordos de leniência no Brasil. As empresas que consideram fazê-lo devem levar em conta as particularidades do sistema brasileiro e desenvolver uma estratégia global.
Espera-se que a regulamentação federal forneça mais detalhes sobre os parâmetros para a celebração de acordos de leniência. É possível que alguns dos fatores discutidos acima sejam abordados na regulamentação.
* Carlos Ayres é advogado do grupo de Compliance do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados e coordenador da Comissão Anticorrupção eCompliance do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp).
Publicado originalmente no blog FCPAméricas LLC. A versão original deste blog post foi escrita em inglês e a tradução não foi realizada pelo autor.
Foto de Clóvis Fabiano
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