Indignação é só virtual

Manifestações de descontentamento e insatisfação com os políticos não passam dos limites de teclados e mouses A internet inaugurou uma nova era: a que permite fazer de tudo sem sair de casa, apenas com um toque no mouse. É assim na hora de fazer compras, conhecer pessoas, criar empresas, fechar negócios e, também, na política. Num país marcado por escândalos nas diversas esferas do Poder, é tarefa fácil encontrar sites, comunidades e blogs de gente que quer protestar. Tudo sem sequer colocar o pé na rua.

A rede mundial de computadores permitiu que mais gente tenha acesso ao noticiário político. E, como é um meio de comunicação interativo, abre espaço para manifestações variadas, das sérias às irônicas. A crise que envolve o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), impulsionou esse movimento, com a criação de comunidades no Orkut, de blogs e páginas no Twitter.

A mobilização virtual pela moralidade, contudo, praticamente evapora quando tenta migrar para o mundo real. O estudante de Relações Internacionais André Dutra Silva sabe bem disso. Ele é um dos seguidores do Twitter Fora Sarney, que tem mais de 5.300 participantes. E tentou levar todos para dois protestos em frente ao Congresso Nacional — um no dia 1º e outro no dia 8 deste mês.

O protesto foi todo organizado pelo Twitter, entre pessoas que se correspondem diariamente pela rede mas nunca se viram pessoalmente. Centenas garantiram presença, mas o estudante não conseguiu reunir mais do que 60. “A gente até conseguiu uma certa divulgação e apareceram umas cem pessoas, mas que ficaram mesmo umas 60. Na segunda vez que tentamos, reunimos 20”, descreve.

A página no Twitter Fora Sarney é um exemplo de mobilização virtual, com mensagens de protesto postadas, em média, a cada dez minutos. “Muita gente prefere protestar de casa do que pegar uma faixa e ir à rua. As pessoas têm que entender que ação é no mundo real”, lamenta.

A manifestação organizada pelo Twitter foi marcada para a mesma hora em 13 cidades. A maior adesão foi em Macapá (AP), capital do estado pelo qual Sarney foi eleito, onde 200 pessoas protestaram. No Rio de Janeiro, houve 26. Em São Paulo, menos de 50. O grupo agendou mais uma manifestação para este sábado na capital paulista, a partir das 11h, na esperança de reunir mais gente.

Orkut
A mobilização via internet pode até causar incômodo nos políticos, mas nem se compara ao que passeatas acaloradas na Esplanada podem fazer, na avaliação do cientista político Leonardo Barreto. “A internet serve como termômetro, mas só quando vai para a rua é que o protesto atinge um nível que leva o político a tomar decisões drásticas”, afirma, comparando as manifestações de hoje ao nostálgico protesto dos caras-pintadas, que em 1992 pediram o impeachment do presidente Fernando Collor.

No Orkut, o comportamento se repete. O tema corrupção figura em mais de mil comunidades povoadas por brasileiros virtualmente indignados com as denúncias que assolam os políticos. A maior delas, batizada de Combate à corrupção, tem mais de 4.500 integrantes, mas o tópico que sugere uma tentativa de levar o protesto às ruas tem apenas um adepto — o próprio autor da ideia.