Itatiba: TCE vê fraude em notas fiscais na Câmara

Segundo auditoria do tribunal, pelo menos 49 documentos foram adulterados

Rose Guglielminetti
DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
rose@rac.com.br

A Câmara de Vereadores de Itatiba, uma das 19 cidades da Região Metropolitana de Campinas (RMC), está às voltas com um escândalo de adulteração de notas fiscais que pode envolver tanto os vereadores quanto funcionários e assessores dos parlamentares. O Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP) fez uma auditoria e verificou que 49 documentos fiscais entregues pelos parlamentares para futuro reembolso tiveram os valores e as datas de emissão modificados. As rasuras alteraram os números para valores maiores do que os emitidos pelos estabelecimentos comerciais — uma média de R$ 100,00 a mais por nota fiscal.

A fraude só veio à tona porque um dos vereadores, Ailton Antonio Fumachi (PMDB), teve o valor de uma nota adulterado. “Fiquei sabendo que uma das minhas notas foram arroladas pelo tribunal porque o valor passou de R$ 215,00 para R$ 245,00. Fui atrás para saber se o valor original havia sido rasurado pelo restaurante que emitiu a nota ou se aconteceu aqui na Câmara. Consegui, então, cópia do talão do documento original e constatei que foi modificada aqui. Agora quem foi — se funcionário ou vereador — não dá para saber”, argumentou ele.

Segundo o peemedebista, apesar de saber que teve o nome citado, ele não conseguiu acesso ao relatório do TCE-SP. “Só consegui quando constituí um advogado particular que obteve o inteiro teor lá no tribunal. E foi só então que consegui perceber várias outras notas adulteradas”, afirmou. Ao saber do fato, Fumachi registrou um boletim de ocorrência (BO) e fez a denúncia ao Ministério Público Estadual (MPE).

A auditoria do TCE refere-se às contas municipais da Câmara de Itatiba do ano de 2006. No processo, das folhas 43 a 46, a equipe técnica do tribunal apresenta um relatório das irregularidades encontradas. A adulteração era feita de forma grosseira. “Os indícios de adulteração estão baseados no uso de caneta de tonalidade diversa da original e de grafia também diferente, para rasurar dados ou para inserir algarismos não existentes no documento original”, escreveu Antonio Geraldo Pereira, agente da Fiscalização Financeira do Tribunal.

Segundo o relatório, a nota de número 008649 teve o valor original alterado de R$ 168,20 para R$ 268,20. Outro documento, de número 5929, passou de R$ 15,00 para R$ 215,00. Já o cupom fiscal (n 198281) além de ter o valor modificado de R$ 63,00 para R$ 163,00, também sofreu alteração da data de emissão. “Rasura da data da nota fiscal para ajustá-la ao período de aditamento”, escrevem os fiscais.

De acordo com Fumachi, as adulterações provocaram um aumento de R$ 4,9 mil no valor reembolsado aos parlamentares. Sem a fraude, os cofres públicos pagariam R$ 5,2 mil, e não R$ 10,5 mil como ocorreu. “Como a auditoria foi feita por amostragem, o número de notas que podem ter sido adulteradas pode ser muito maior e os valores pagos podem ser superiores ao registrado”, acusou o peemedebista.

Segundo Fumachi, após um pronunciamento público feito por ele no dia 23 de julho, o ex-presidente da Casa, Alfredo José Ordine (PP), devolveu o dinheiro ao Legislativo. O valor depositado era a quantia apontada pelo TCE como paga a mais do que o valor original. “Estranhamente e sem falar com nenhum vereador, ele fez um depósito particular em nome da Câmara no dia 24 de julho pagando os valores adulterados”, ressaltou o vereador.

SAIBA MAIS

Cada um dos nove vereadores de Itatiba recebe R$ 4.953,63 e tem direito a dois assessores pagos pelos cofres públicos, cujos salários são de R$ 1.259,60 e R$ 2.274,80.

REAÇÕES

EDVALDO DOS SANTOS
Metalúrgico

“É uma ladroagem do caramba. Tem que pôr na cadeia. Essa corrupção tem de acabar porque dinheiro nosso não é para pagar mordomia.”

DARIUS DE OLIVEIRA
Operador de máquinas

“Essa adulteração de nota fiscal tem de ser investigada. Os eleitores têm de saber mais da vida dos candidatos para votar melhor.”

JAIR FRANCISCO
Operador de máquina

“Estamos carecas de saber que é errado esse tipo de coisa. Isso tem de ser investigado. Mas acho que não vai dar em nada. Só ladrão, até de galinha, vai para cadeia. E político, se vai preso, é solto.”

Sindicância vai investigar apenas um documento

Só denúncia contra o vereador Fumachi, do PMDB, será alvo de investigação interna

Apesar de classificar as adulterações como um ato “pernicioso” e “imoral”, o presidente da Câmara de Itatiba, Erik Carbonari (PTB), instaurou sindicância interna para investigar a denúncia de apenas uma nota fiscal — do vereador Ailton Antonio Fumachi (PMDB). A apuração não irá atingir 48 documentos apontados pelo TCE-SP com irregularidades. “Com o ressarcimento pelo ex-presidente (Alfredo José Ordine) não houve prejuízo ao erário. Se for provocado, poderei fazer a análise das demais notas. Mas será muito difícil pegar um vereador agora porque ele pode dizer que entregou a nota sem adulteração.”

Segundo Carbonari, assim que foi notificado pelo TCE, ele cortou o adiantamento no valor de R$ 700,00 por mês. “A partir do dia 1 de julho, cortei o pronto-pagamento. Todos reclamaram, mas foi uma decisão unilateral de minha parte. Cada um está arcando com suas despesas de viagens e alimentação”, ressaltou. Antes de 2007, não havia um valor pré-estabelecido. O reembolso era feito de acordo com as notas apresentadas.

O presidente disse que as irregularidades referem-se à gestão anterior. “Coube a mim apenas repassar ao ex-presidente a notificação de que o tribunal aprovou as contas com ressalvas, apontando quais despesas foram impugnadas.” Ele afirmou que o ex-presidente pediu prazo de 30 dias para analisar o relatório “por não ter conhecimento das notas impugnadas”.

Carbonari disse ainda que o processo do TCE não foi entregue a Fumachi porque estava em análise pelo presidente da comissão. “Eu estava nos Estados Unidos e fiquei sabendo do questionamento de Fumachi.”

A comissão é composta por funcionários nomeados em cargos de confiança — o que também foi alvo de críticas de Fumachi. “Ele está equivocado em criticar porque temos apenas dois funcionários concursados (a assessora financeira e a diretora legislativa). Tive a cautela de nomear servidores da Casa que nunca tiveram contato com parlamentares que utilizaram o pronto-pagamento para reembolso”, disse ele. A Câmara tem 36 cargos de confiança. O presidente disse que não poderia fornecer os nomes dos responsáveis pelas notas adulteradas.

A reportagem procurou o ex-presidente na Câmara de Itatiba, mas, até o fechamento desta edição, ele não havia retornado os contatos. (RG/AAN)