O Judiciário deve ser sensível ao clamor pela ética'

Gilberto Velho • Antropólogo
David Fleischer • Cientista político
Roberto Romano • Filósofo

A decisão do Supremo Tribunal Federal de permitir candidaturas de políticos com processo na Justiça, mas sem condenação em última instância, dividiu especialistas ouvidos pelo GLOBO. Para Gilberto Velho, que critica o termo “ficha-suja”, o clamor público pela ética e moralização da política não pode ser ignorado pelo Judiciário.
Ele defende que aqueles que já tenham sido condenados em primeira instância não devam ter o direito de se candidatar.

— Ouso achar que a decisão (do STF) é generalizante, que não dá conta da complexidade da situação. Os nossos juristas poderiam ter um pouco mais de sensibilidade histórico-sociológica para avaliar o grau de desmoralização do poder público e da corrupção em grande escala, em vários níveis do poder público, tanto no Legislativo como no Executivo e até no Judiciário. Se vamos aguardar a condenação final, com todas as dificuldades de se chegar a uma condenação final no Brasil, vamos obscurecer e impedir que se desenvolva uma preocupação maior com a ética no país. Há um clamor público pela ética e a moralidade pública. O Judiciário deve ser sensível a isso. Não se trata de promover uma caça às bruxas ou se curvar à mídia, mas ter em mente que essa indignação da opinião pública é uma das variáveis a se levar em conta na hora de uma decisão.
O antropólogo faz a ressalva de que não se deve usar a expressão “ficha-suja” em todos os casos, porque há políticos que respondem a processo por denúncias irresponsáveis ou por vingança de adversários, por exemplo.
O professor de ética e filosofia Roberto Romano, por outro lado, considera a decisão do Supremo correta.
Ele afirma que a presunção da inocência é um princípio tradicional do Direito internacional.

— É muito triste porque isso beneficia notórios corruptos. Mas também poderia prejudicar o cidadão honesto.
Você não pode abrir mão desse princípio.
Romano elogia a divulgação de listas dos candidatos que respondem a processo.
E afirmou que é preciso discutir, urgentemente, o direito ao foro privilegiado dos políticos, que ele chamou de um privilégio “anti-republicano, antidemocrático e inconstitucional”.

— No país, com a concentração de poderes e arrecadação de impostos no governo federal, os políticos são vistos pelos eleitores como aqueles que trazem benfeitorias para suas regiões. É uma situação complicada porque há uma cumplicidade do eleitor com a prática do “é dando que se recebe”.
O cientista político David Fleischer, da Universidade de Brasília (UnB), disse que a decisão do STF vai contra a opinião pública e que o “trânsito em julgado é uma piada”. Mas elogiou a divulgação das listas e lembrou que, em 2006, muitos candidatos que tiveram seus nomes associados a crimes de corrupção não conseguiram ser eleitos.

— A condenação em última instância demora anos. O jornalista Pimenta Neves, para citar um caso da profissão de vocês, ainda não teve seu processo transitado em julgado. Ele poderia se candidatar. (Cláudia Lamego)