ONU critica postura do Brasil contra as drogas

Relatório de junta ligada às Nações Unidas, divulgado ontem, reprova tratamento diferenciado dado no País a traficantes e a usuários de entorpecentes e constata aumento no consumo de ecstasy e cocaína

BRASÍLIA Relatório divulgado ontem pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), ligada à ONU, informa que está aumentando o tráfico e consumo de ecstasy e cocaína no Brasil. O documento, que teve lançamento mundial em Viena, critica duramente o governo brasileiro pelo tratamento diferenciado entre usuários e traficantes na nova lei sobre drogas do País. O texto afirma ainda que a corrupção na polícia e no Judiciário brasileiros prejudica a punição de traficantes.
O relatório, lido pelo representante do Escritório da ONU contra Drogas e Crime para o Brasil e Cone Sul, Giovanni Quaglia, no auditório da Secretaria Nacional Antidrogas, provocou imediata reação do governo. O secretário nacional Antidrogas, Paulo Roberto Uchôa, e o diretor de Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal, Roberto Troncon, rebateram as declarações.

O trecho que mais irritou o governo foi o que ataca a nova lei sobre drogas. Pela lei, o usuário pode ser condenado à prisão, mas a punição é sempre convertida em pena alternativa. Segundo Quaglia, a condescendência com o usuário enfraquece a investigação das polícias.

"A nova lei pode prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas, e pode dar a entender que o governo trata o tráfico com mais indulgência", acusa o relatório.

Sentado ao lado de Quaglia, Uchôa disse que a Jife comete um equívoco ao sugerir a volta de severas punições a usuários de drogas. Para ele, a nova lei é uma antiga aspiração da sociedade e tem tido boa acolhida no Judiciário e na polícia. "É estranho que façam considerações com juízos de valor e com afirmações que dão a entender que o governo está leniente com o tráfico." O delegado Roberto Troncon também disse que não vê necessidade de mudanças.

Embora o relatório não apresente números, Quaglia disse que a prova do crescimento do comércio de cocaína e ecstasy seria o aumento do volume dos dois tipos de drogas apreendido pela PF. Ele argumenta que as polícias de países africanos também têm apreendido grande quantidade de cocaína que passa pelo Brasil a caminho da Europa. "Os dados que temos são fornecidos pelas autoridades locais", afirmou Quaglia.

O relatório toca em outro ponto sensível ao dizer que a corrupção na polícia e no Judiciário atrapalha as investigações e punições de traficantes. "A junta manifesta preocupação com a falta de cooperação entre os organismos estaduais e federais, a escassa destinação de recursos em escala nacional, a lentidão do sistema judicial e os relatos sobre corrupção na polícia e no poder Judiciário", diz o texto.