Proposta do governo para reforma política visa combater a corrupção

Fila para votação, em Brasília, durante eleições para presidente da República, senador, deputado federal e deputado distrital: governo considera que proposta deve fortalecer os partidos e reduzir a corrupção. Para a oposição, sugestões são oportu O governo federal encaminhou ao Congresso Nacional, na última quarta-feira, seis anteprojetos de lei e uma minuta de proposta de emenda à Constituição para a reforma política. As propostas apóiam-se na premissa de que o sistema partidário e as regras eleitorais vigentes levam à corrupção, ao uso de caixa-dois e ao abuso do poder econômico.

Os técnicos e ministros responsáveis pelas sugestões não crêem que as mudanças eventualmente aprovadas possam entrar em vigor antes de 2012.

No entender do ministro da Justiça, Tarso Genro, que entregou os projetos ao presidente do Senado, Garibaldi Alves, "o sistema político brasileiro precisa ser desbloqueado". Com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Genro e o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, anunciaram a disposição do governo de cooperar com o Congresso no desbloqueio do sistema, mas por partes, de forma a contornar impasses.

– Precisamos aprovar primeiramente tudo o que for consensual – aconselhou o ministro da Justiça.

A julgar pelo diagnóstico do governo, os obstáculos são de difícil transposição. A percepção é de que há hoje um desvirtuamento da representação da vontade popular, que estaria à mercê do poder econômico. "Vale a vontade do capital", assinala o documento, no qual é apontada a "inviabilidade de candidaturas que não angariam financiadores de grande monta".

O capital, entretanto, mostra-se generoso com os candidatos dispostos mais tarde a pavimentar o caminho para a execução de obras e serviços a serem pagos com recursos orçamentários. É o que diz o texto-resumo, ao mencionar como uma das mazelas do sistema o "envolvimento entre candidato e financiador, com impacto direto na defesa de interesses não-republicanos e na abertura de canais propícios ao favorecimento ilegal e ao desvio de dinheiro público".

Esse ambiente, em que são escassos o debate e a participação popular nas estruturas partidárias, tem estimulado o apelo ao marketing e a outras estratégias de campanhas eleitorais milionárias. "Cada candidato é impelido a produzir campanhas individuais, não centralizadas pelo partido, para estabelecer o diferencial de sua candidatura", destaca o Executivo em seu diagnóstico. O documento detecta "o enfraquecimento dos partidos e de seu aspecto programático-ideológico, com óbvio favorecimento a candidatos de mídia ou fortemente financiados".

Financiamento

Um dos remédios para esse mal seria o financiamento pú­blico de campanha. A idéia encontra resistências na sociedade, mas os formuladores observam que o gasto orçamentário com partidos e campanhas seria menor que a sangria de recursos decorrentes dos vícios do modelo atual.

Os autores da proposta ressalvam que o financiamento público não deve ser tido como "fórmula mágica de combate à corrupção sistêmica ou de bloqueio a métodos ilegais de arrecadação ou de financiamento, o chamado caixa-dois. Ainda que considerem a possibilidade de reduzir a incidência do problema, assinalam que a causa dele está "nas bases de nossa cultura política".

A estrutura estaria comprometida também do ponto de vista das relações entre o Executivo e o Parlamento com vistas à formação de maiorias. Segundo o documento, o sistema político-eleitoral brasileiro se ressentiria de um presidencialismo sempre necessitado de coalizão, mas sujeito à volatilidade do quadro partidário fragmentado. "Tal situação pode favorecer alguns aspectos contrários aos princípios democráticos representativos, como por exemplo relações partidárias formuladas em bases não-programáticas e concessões programáticas quase obrigatórias que desvirtuam a vontade popular".

O texto encaminhado pelo governo ao Senado critica o modelo eleitoral de lista partidária aberta, responsável por induzir o eleitor a erro: com a transferência de votos nominais para a legenda ou para a coligação, o eleitor auxilia candidatos do seu ou de outros partidos sem ter o conhecimento disso, o que resultaria na eleição de representantes praticamente sem votos. Uma conseqüência adicional desse emaranhado de interesses seria a falta de legitimidade dos suplentes.

Coligações

A legislação atual permite o registro de coligações "de ocasião" para as eleições proporcionais, gerando um esquema de "benefícios mútuos não-programáticos", segundo o texto do governo. Um exemplo seria a existência de partidos "que se oferecem a outras agremiações em troca de seu tempo de propaganda eleitoral". Para dificultar a oferta de aliança fisiológica, imaginou-se o redesenho da cláusula de barreira (ou desempenho) a partidos com votação e expressão políticas inexpressivas. Assim, somente exerceriam mandato de deputado federal, deputado estadual ou deputado distrital os partidos que obtivessem um mínimo de 1% dos votos válidos, excluídos os brancos e os nulos, obtidos em eleição geral para a Câmara dos Deputados e distribuídos em pelo menos um terço dos estados com o mínimo de 0,5% dos votos em cada um deles. O percentual mínimo de 5% dos votos para a Câmara dos Deputados, previsto na Lei 9.096/95, foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2006. Por essa razão, atualmente nada há que regule o tema.

Os acordos partidários espúrios teriam outra brecha fechada por meio da limitação do tempo no rádio e na TV ao do maior partido da coligação em eleições majoritárias (para cargos executivos e para o Senado). A proposta do governo de proibir as coligações em eleições proporcionais e de obrigar o eleitor a votar em lista partidária fechada procuraria coibir esses vícios. E a lista seria usada também para tornar mais inclusiva a participação feminina nas eleições, com a obrigatoriedade de uma candidata em cada três na primeira metade da relação de nomes.

Ficha suja

O governo propõe também regras para os candidatos "ficha suja", que seriam considerados inelegíveis se condenados, judicial ou administrativamente, em decisão colegiada, independentemente de sentença definitiva. A inelegibilidade alcançaria ainda os eleitos com a ajuda de atos de violência.

A chegada dos anteprojetos ao Congresso foi vista pelos governistas como oportunidade de retomar a reforma política, como demonstram as declarações do próprio Garibaldi Alves e do senador Renato Casagrande (PSB-ES).

Já para oposicionistas como o líder do DEM, senador José Agripino (RN), o gesto do governo foi mero oportunismo de quem vem adiando a aprovação, na Câmara dos Deputados, de uma proposta de reforma enviada àquela Casa pelo Senado.