Sob as asas da Gautama

Ministério Público denuncia dois governadores, dois ex-governadores e ex-ministro envolvidos na Operação Navalha, como revelou ISTOÉ

HUGO MARQUES

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou na terça-feira 13 ao Superior Tribunal de Justiça a denúncia contra as 61 pessoas envolvidas com o esquema revelado pela Operação Navalha, da Polícia Federal. Apontado como chefe daquilo que o MPF chama de "sofisticado grupo criminoso" que atuou em seis Estados, o dono da construtora Gautama, o empresário Zuleido Veras, provocou um rombo de R$ 153 milhões nos cofres públicos, através de contratos superfaturados, direcionamento de licitações e pagamento de propinas a servidores públicos. A denúncia do MPF confirma o que ISTOÉ antecipou nas suas edições de 30 maio de 2007 e de 27 de fevereiro deste ano. E mancha a carreira de políticos importantes. Estão na lista de denunciados os governadores Jackson Lago (PDT), do Maranhão, e Teotônio Vilela Filho (PSDB), de Alagoas, além de dois exgovernadores, José Reinaldo Tavares (PSB), do Maranhão, e João Alves (DEM), de Sergipe, e do ex-ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau (PMDB).

 

Uma das partes mais incisivas da denúncia é o capítulo sobre os desvios de recursos públicos e o pagamento de propinas em Alagoas. O MPF pede o enquadramento de Teotônio Vilela por formação de quadrilha, peculato e três vezes por corrupção passiva, crimes que podem somar uma condenação máxima de 63 anos de cadeia para o governador. A partir das apreensões de agendas, interrogatórios e escutas autorizadas da investigação da Operação Navalha, o MPF concluiu que Vilela recebeu R$ 500 mil de Zuleido Veras em propinas. Foram dois pagamentos de R$ 200 mil e um de R$ 100 mil. As liberações de recursos da Secretaria da Fazenda, que viriam a beneficiar o esquema, foram feitas em "datas próximas às das propinas recebidas pelo governador", conforme a denúncia. A "casinha amarela" onde a PF fotografou encontros dos responsáveis pelo pagamento de propinas em Alagoas é de propriedade da esposa de Vilela e ali foi instalado seu escritório político. "Não tenho participação. Isso é um mal-entendido que vou esclarecer", diz Vilela. "Tenho completa consciência de que não tenho nada a ver com isso. Abomino qualquer ato de corrupção."

 

Jackson Lago também foi enquadrado nos crimes de formação de quadrilha, peculato e três vezes no de corrupção passiva. A documentação apreendida com Zuleido Veras indica que o governador recebeu 8% de propina. Em troca, o Estado dava a Zuleido 35% de acréscimo na medição fraudulenta das obras públicas. O governador, em nota, nega as acusações. "Em nenhum momento autorizei quem quer que fosse a negociar com empresas ou empreiteiros em meu nome", diz Lago. "Minhas atitudes e minha biografia são completamente alheias a esses conluios." A PF e o MPF concluíram que Lago passou a integrar o esquema da Gautama assim que sucedeu ao ex-governador José Reinaldo Tavares. A polícia encontrou na residência do administrador Geraldo Magela, em Brasília, a "contabilidade" da propina que Veras pagou aos servidores do governo do Maranhão. Nas anotações, consta um "acerto" com José Reinaldo, no valor de R$ 1,4 milhão, em torno do projeto de construção de pontes no Estado. Foram emitidas notas fiscais frias para desviar dinheiro destinado a Tavares. O ex-governador negou que tenha pedido liberação de pagamentos para obras da Gautama. "Nem sei o que acontece dentro das secretarias", disse.

 

No Piauí, o esquema de Zuleido Veras conseguiu fraudar o programa Luz Para Todos, que envolve R$ 8,7 bilhões em todo o País. O MPF concluiu que o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau e o diretor de engenharia da Eletrobrás, Valter Cardeal, associaram-se para promover a aplicação de verbas do programa em finalidades diversas às que a lei previa. A quadrilha desviou recursos por meio de aditivos fraudulentos. A propina para Rondeau foi registrada na agenda de Zuleido Veras: "120 - MINISTRO - BSB". A Procuradoria acusa Rondeau pelos crimes de formação de quadrilha, desvio de recursos, gestão fraudulenta, corrupção ativa e duas vezes por corrupção passiva.

 

O ex-ministro pode ser condenado a uma pena máxima de 69 anos de cadeia. Em face da gravidade das denúncias, a Procuradoria pediu o afastamento dos denunciados que ainda ocupam cargos públicos. Valter Cardeal não vê motivo para tanto. "Sempre pautei minha conduta profissional com rigor e respeito ao interesse público."

 

O MPF também concluiu que o exgovernador de Sergipe João Alves Filho e seu filho João Alves Neto se associaram ao esquema para desviar dinheiro público destinado à ampliação da adutora do São Francisco, mediante "recebimento de vantagens ilícitas".